Em Moçambique, ex-colónia portuguesa, um menino, ainda bebé, andava às costas da mãe descalça, e recebeu dela as primeiras impressões sensoriais: os sons, os cheiros, as formas, as cores de África. Do pai, ex-emigrante do Algarve, província de Portugal, recebeu depois as palavras da língua do colonizador, o gosto pela cultura universal e pelos livros. Quando cresceu, aquele menino descobriu-se mulato, misturado de duas realidades étnicas e culturais diferentes, e isto para ele foi um segundo nascimento.
Como resolver o problema da divisão entre a mãe e o pai, que, apesar de tudo, se amavam? Sem dúvida, pondo sobre o papel, em forma de poema, as palavras da mãe ronga a namorarem com as do pai português... E foi assim que nasceu o poeta José Craveirinha, e com ele a consciência de moçambicanidade, que, por seu lado, viria dar lugar à independência de Moçambique.
Quando partiu deste mundo, ele tinha posto em livro a sua epopeia, que era também a de um país e de um povo que parecia ter saído de dentro dele... E repetia: «Karingana ua Karingana», que significava, na língua do pai, «Era uma vez... era uma vez...»